segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A QUESTÃO DA SOCIAL DEMOCRACIA

Até 1914, o termo social-democracia designava o conjunto do movimento operário revolucionário; nas obras de Engels e dos teóricos marxistas até então, social-democracia era sinônimo de “política operária, revolucionária” ou “socialismo”. Entre 1914 á 1919, porém, a expressão política do movimento operário se dividiu na prática. A segunda Internacional, fundada em 1889 fraciona-se em face da primeira guerra imperialista e os seus grupos hegemônicos capitulam frente às tendências nacionalistas e chauvinistas.

A Revolução de outubro acentua a linha divisória: de um lado, os partidos e correntes que apoiam decididamente o poder dos sovietes; de outro, aqueles partidos e tendências socialistas que, embora se afirmando inspirados em Marx, recusam o projeto revolucionário autêntico. Os primeiros em 1919 constituem a Internacional Comunista (ou Terceira Internacional, que existirá até 1943), passando, na sua maioria, a denominar-se partidos comunistas. Os segundos aglutinam-se na Internacional Socialista, criada em Frankfurt, em 1951. Precisamente estes partidos e tendências compõem a social-democracia contemporânea, ora denominando-se partidos socialista, operários ou social-democratas.

Desde os anos vinte, esta social democracia vem procurando construí-se como a principal alternativa ao movimento operário revolucionário marxista-leninista. Salvo poucas exceções, a social democracia, apesar dos seus esforços, não conseguiu articular forças significativas fora da Europa Ocidental e Setrentional. Entretanto, no ocidente europeu, os partidos social democratas impuseram-se em muitos países, como força dirigente do movimento operário. Por outro lado, na maioria dos partidos social democratas ou socialistas, não existe, também, verdadeira unidade interna, doutrinaria e política. A coexistência se mantém graças a acordos e compromissos e, a isto, se devem as cisões e criação de novos partidos dentro da social democracia, como ocorreu com o Partido socialista Italiano no segundo pós-guerra e, mais recentemente, com o Partido Trabalhista Inglês.

Portanto, compreende-se por que a Internacional Socialista, não tenha se constituído jamais, como uma instituição solida com organizações firmemente unidas. Embora a social democracia contemporânea tenha se articulado a partir de 1914/1919, as bases teóricas e doutrinárias remota ao final do século XIX, encontra-se ai, a sua origem na obra de E. Bernstein, que abre, no interior do marxismo, a corrente revisionista. Paralelamente e subsequentemente, as obras Web, Kaustsky e Bauer, entre muitos, vieram adensar a elaboração de Bernstein e, em grande linha, foi este acervo ideológico que guiou a intervenção dos sociais democratas até a Segunda Guerra.

Nos anos cinquenta, o movimento social democrata praticamente se estancou, ai ocorre o primeiro reexame das bases doutrinárias da social democracia. Tratava-se de libertar a doutrina de “conceitos obsoletos”, que já não respondiam às realidades da estrutura social-euro-ocidental. Em poucas palavras, a social democracia procurava substituir o velho reformismo por uma nova doutrina, que vai receber posteriormente a designação de socialismo democrático.

Os sociais democratas suecos, desde 1897, afirmavam que “a tarefa mais importante do partido consistia em organizar politicamente a classe operária, com a finalidade de tomar o poder e transferir gradualmente para propriedade pública, todos os meios de produção”. Já os trabalhistas britânicos, em 1918, asseguravam que seria necessário facilitar aos trabalhadores a plena compensação do seu trabalho social. Diga-se de passagem, que foi entre os trabalhistas britânicos, graças à vigorosa resistência da esquerda e dos sindicatos, que o reexame de que estamos tratando causou menos estrago a tradição operária.

Estas posições se generalizaram entre a maioria dos partidos social democratas, assim, para o partido social austríaco, “a socialização seria possível e restrita às grandes empresas”. Neste contexto o estatismo aparece como instrumento da mudança social, em contraposição à movimentação revolucionaria das massas. Assim o socialismo democrático, vai privilegiar a democracia parlamentar pluripartidária. A partir dos anos cinquenta, os sociais democratas atribuem valor universal ao sistema parlamentar pluripartidário. “Segundo o programa dos sociais democratas alemães, a democracia parlamentar será a forma universal do Estado, já que ela assegurava o respeito à dignidade humana”.

“A democracia parlamentar, com plenas garantias para a oposição, é o único marco político no interior do qual poderá florescer uma sociedade livre”, (documento programático dos trabalhistas britânicos). Esta forma de organização política passa a ser apresentada como o objetivo da luta da classe operaria.

Resumidamente, o socialismo democrático emergente nos anos cinquenta se caracteriza por:

a) Considerações de que a socialização dos meios de produção não é a condição prévia para a transformação socialista das relações sociais;

b) Defesa da ideia segundo a qual, a transformação progressiva e gradual das relações sociais, deve ter no intervencionismo estatal (políticas monetária, fiscal, creditícia, etc.), o seu instrumento privilegiado e mais adequado;

c) Elevação da democracia parlamentar pluripartidária à condição de única forma possível e eficaz de intervenção política institucional.

Não é preciso fazer grande esforço para compreender que este primeiro reexame da social democracia, significou um enorme retrocesso, mesmo em relação ao reformismo “clássico” de Bernstein. O socialismo democrático acaba por diluir e retira dos partidos que o adotam qualquer chance de se tornarem forças dirigentes no processo de transformação socialista. O denominado “socialismo democrático”, aprisiona a social democracia, compelindo-a atuar exclusivamente dentro dos marcos da ordem estabelecida pela burguesia. A partir do final dos anos sessenta, o movimento social democrata é levado a experimentar um novo período de reexame. Trata-se de um processo ainda em curso, muito complexo e contraditório, mas que no essencial, coloca em xeque a plataforma do socialismo democrático da década anterior. Este novo processo, muito mais agudamente que o anterior, realiza-se com polarizações e fraturas, na social democracia.

O otimismo social democrata, vigente desde a década anterior, entra em colapso. O “Estado do bem estar social” (pleno emprego, seguridade social e aumento de constante do nível de vida material) mostra-se uma ilusão, também na Europa Ocidental.

É no bojo deste quadro que a social democracia sofre uma inflexão, cujos principais resultados, podem ser assinalados:

a) Crescem nos partidos social democratas o peso e a influencia dos agrupamentos de esquerda, que em alguns destes partidos assumem cargos relevantes;

b) Toma corpo uma atitude muito critica ao sistema capitalismo (o que no fundo, é uma autocrítica dos sociais democratas);

c) Estes dois resultados, em meio a polemicas e debates, com forte polarização entre partidos/sindicatos, partidos/movimento juvenil, faz resurgir a exigência de retorno não ao socialismo democrático, mas aos princípios e objetivos que em 1959/1960, foram considerados obsoletos.

Com essas decisões, além da ultrapassagem da noção estatista de transformação social, de alguns partidos como: o Partido Socialista Frances; Partido Socialista Italiano; Partido Socialista Operário Espanhol e o Partido Social Democrático Finlandês passam a contemplar a luta de classe, a exigência explicita da socialização da propriedade privada foi retomada pelo Partido Operário da Noruega em 1971. Assim alguns partidos sociais democratas reformam seus princípios doutrinários, e passam a ter a supressão da exploração capitalista e a socialização dos meios de produção importantes, e define a autogestão como meta final.

Porém tudo isso, na verdade era apenas paliativo, já no Congresso da Internacional Socialista de 1980 em Madrid, destacou-se que dadas às diversidades políticas, econômicas e culturais, não existe um modelo social democrata único aplicável ao mundo inteiro. Nota-se ai, que a social democracia já não absolutiza o sistema parlamentar pluripartidário como valor universal. As polarizações existentes entre os próprios sociais democratas europeus, mais fatores introduzidos pela presença de movimentos políticos de filiação recente, colocaram a Internacional Socialista a procurar uma identidade comum para seus associados.

Após esboçamos de maneira sumaria, o panorama da social democracia, cabe agora, indagar qual o papel significativo desempenhado pelo movimento social democrata, levando-se em conta as suas significativas experiência que são europeias. O fato fundamental que devemos destacar é que em todos os países onde, nas ultimas décadas, os partidos socialistas e sociais democratas ocuparam o poder, não ocorreram transformações essenciais das relações socioeconômicas, o que houve foram reformas para estabilizar as relações próprias do sistema capitalista.

Na verdade a social democracia no poder jamais abriu a via à revolução socialista, nunca socializou os meios de produção, nunca superou as estratificações sociais, nunca preparou o caminho para a supressão das classes, nunca aboliu a exploração dos trabalhadores e nunca socializou o poder político. Optando por uma via precisa de transformação social, aquelas reformas nos marcos da legalidade burguesa. Assim a social democracia colocou a si mesma, os limites da sua ação, dedicou-se a aperfeiçoar o funcionamento do capitalismo.

Este é o ponto de fratura decisivo entre os comunistas e a prática da social democracia: que transige e conciliação com o capitalismo. O reformismo, até hoje tem sido a característica marcante da social democracia. Para os comunistas, esta postura é inaceitável: a característica essencial do movimento comunista consiste precisamente no intransigente combate ao capitalismo, na luta pela transformação revolucionária da sociedade capitalista, considerando que dois são os passos prévios necessários para isto: a apropriação do poder político pelos trabalhadores organizados e a socialização dos meios de produção.

Extraído da obra de Giocondo Dias, “Os Objetivos dos Comunistas”

Capitulo sobre “A Questão da Social Democracia”.

Ed. Novos Rumos. São Paulo. 1983.